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  • Foto do escritorRodrigo Caramori Petry

O que é competência tributária?

Atualizado: 8 de jul. de 2023


1. Introdução


Neste breve artigo iremos tratar introdutoriamente de algumas questões conceituais e práticas sobre a competência em matéria tributária. Nosso objetivo é repensar o conteúdo da competência, apresentando suas diversas potencialidades e usos, que vão muito além da tarefa de orientar e limitar o poder de tributar que envolve a instituição dos tributos.


Antes de avançar, façamos uma reflexão: qual é a utilidade de conhecer um conceito jurídico? O conhecimento conceitual é fundamentalmente teórico, mas essencial para o desempenho prático das tarefas operativas do Direito. Elaborar e refletir sobre conceitos jurídicos é tarefa importante como ponto de partida para o avanço de um bom estudo prático.


Conhecer um conceito nos permite saber para que serve um dado instituto do Direito, qual sua função no sistema jurídico, como posso utilizá-lo como ferramenta para tratar as questões da realidade, decidir conflitos, resolver problemas.


Ao mesmo tempo, a experiência prática do Direito também colabora em sentido reverso para a reelaboração de conceitos jurídicos, porque o uso prático de um conceito serve para testar a sua precisão descritiva da realidade fática ou jurídica, sua operatividade, eficiência e utilidade na solução de problemas, e deste modo ajuda a tornar os conceitos mais corretos, completos e significativos.


Por isso, mesmo em estudos práticos, estudamos conceitos, buscando identificar a natureza jurídica das diversas normas do Direito e assim descobrindo sua utilidade, sua função, para poder aproveitar melhor todas as suas potencialidades de uso na argumentação e pacificação de conflitos.


Portanto, os estudos teóricos e práticos não deixam de trabalhar com os conceitos. Um dos conceitos mais impactantes e operativos do direito tributário é o de competência tributária, objeto deste breve estudo. Ao final, este artigo se propõe a responder quatro importantes questões:


i) qual é o mais adequado conceito científico de competência tributária?

ii) existe um conceito constitucional de competência tributária?

iii) existe um conceito legal de competência tributária?

iv) qual é o conteúdo dos poderes incluídos na competência tributária?



2. O que é a competência tributária?


O que é a competência tributária? Em uma definição elementar e geral, pode-se afirmar que a competência tributária é um tipo de norma que autoriza as entidades político-territoriais (União, Estados/DF e Municípios) a editar atos normativos legislativos e administrativos para instituir, modificar ou revogar todas as normas que permitem e limitam as atividades de tributação.


Dentre tais normas está a norma de incidência tributária, por meio da qual alguém poderá ser obrigado a dar uma quantia em dinheiro (a título de tributo) ao Estado ou quem lhe faça as vezes no atendimento do interesse público.


A expressão “competência tributária” também é utilizada com acepção mais restrita, quando enfoca o poder atribuído ao titular da competência. Nessa hipótese, “competência tributária” denota apenas o poder ou aptidão entregue pela Constituição para editar atos normativos tributários, pressupondo, sem mencionar, que tal aptidão advém de uma norma constitucional autorizativa.


Assim sendo, em textos jurídicos é comum encontrar expressões como “a competência tributária da União Federal”, ou “a competência tributária do Estado”, etc.


A competência tributária enquanto norma é muito ampla, pois compreende diversas potencialidades normativas que carrega em si para regular as diversas etapas da dinâmica tributária. Essa definição ampla é a que mais se ajusta à realidade do sistema jurídico brasileiro, pois não deixa de fora aspectos importantes da competência tributária, que vão além da restrita potencialidade de edição de leis para a instituição de tributos.


Quanto à amplitude normativa, a competência tributária comporta diversas dimensões, que não se esgotam em leis de incidência tributária. Nesse sentido, observe-se primeiramente que a competência legislativa compreende dois escalões normativos de competência:


1º) competência para editar normas de estrutura (dirigidas aos legisladores), divididas em normas gerais em matéria de legislação tributária (competência atribuída à União Federal pelo art. 146 da CF, e que vincula Estados/DF e Municípios), e as demais normas de estrutura infraconstitucionais dirigidas aos legisladores dos entes político-territoriais;


2º) competência para editar normas de comportamento (dirigidas aos contribuintes, ao Fisco e demais interessados), próprias para criar obrigações e direitos operacionalizando a tributação, o que abrange a incidência do tributo e a definição da relação obrigacional tributária; a previsão de exonerações fiscais; obrigações acessórias ou documentais; sanções administrativas ou criminais; procedimentos de apuração do tributo e administração tributária; e normas sobre o processo administrativo ou judicial para eventual discussão da relação tributária.


Levando-se em conta essas citadas dimensões legislativas, são identificáveis cinco espécies de poderes normativos potencialmente extraídos da competência tributária em geral:


i) competência legislativa, que é autorização para edição de atos normativos legislativos ou leis em sentido amplo, que conforme citado acima compreende dois escalões normativos (as normas de estrutura e normas de comportamento, na linguagem de Barros Carvalho [1]);

ii) competência administrativa regulamentar (autorização ou obrigação para edição de atos administrativos regulamentares, geralmente autorização sujeita a juízo de conveniência e oportunidade conforme a abertura dada pelo art. 84, IV, da CF e o que dispuser a lei);


iii) competência administrativa de aplicação (autorização-obrigação para a expedição de atos administrativos concretos e individuais, como por exemplo o ato de lançamento tributário ou o auto de infração, exercido por agentes fiscais);


iv) competência administrativa de julgamento, própria para a edição de atos concretos e individuais de controle administrativo do ato de cobrança tributária (v.g., exercido nas Delegacias de Julgamento e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que julgam as discussões sobre a exigibilidade de tributos federais);


v) competência administrativa de controle administrativo-jurídico da legalidade e da exigibilidade judicial do crédito tributário, realizado no ato de inscrição do crédito em Dívida Ativa (v.g., a competência para inscrição de créditos de tributos federais é da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, órgão do Ministério da Fazenda).


Afora as potencialidades normativas acima indicadas, a competência tributária genericamente também implica em outra espécie de competência, não normativa e sim processual: a competência para ser sujeito ativo processual judicial, ou seja, a condição de ser titular da ação de cobrança do crédito tributário. Essa titularidade de ação judicial fiscal será em regra usada para o ajuizamento de ação de execução fiscal.



3. Outras definições doutrinárias para “competência tributária”


Na doutrina do direito tributário brasileiro adotam-se definições variadas de competência tributária, mas a maior parte dessas definições são restritas se comparadas à definição ampla apresentada anteriormente, como se vê em alguns exemplos: “competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos.” (Roque Antonio Carrazza) [2]; “ao poder tributário juridicamente delimitado e, sendo o caso, dividido dá-se o nome de competência tributária” (Hugo de Brito Machado) [3]; “a competência tributária implica a competência para legislar, inovando o ordenamento jurídico, criando o tributo ou modificando sua expressão qualitativa ou quantitativa” (Luciano Amaro) [4]; “por competência legislativa plena se deve entender o poder de instituir e exonerar tributos” (Sacha Calmon Navarro Coêlho) [5].

Nota-se que diversas das definições doutrinárias de competência tributária colocam seu foco na norma de incidência dos tributos, ou seja, identificam a norma de competência tributária apenas como aquela destinada a autorizar os entes político-territoriais a instituírem os diversos tributos por meio de lei (competência legislativa).


Definições sintéticas de “competência” não esclarecem que a instituição de tributos implica em muito mais do que apenas desenhar as normas tributárias de incidência (indicando a hipótese de incidência, a base de cálculo, o sujeito passivo e demais elementos da obrigação tributária). Além disso, essas definições restritas reduzem a competência tributária a um sinônimo de competência legislativa, não explicitando que atos administrativos também podem veicular normas reguladoras da atividade tributária.


De qualquer forma, definições doutrinárias mais limitadas da expressão “competência tributária” são úteis, desde que bem contextualizadas no objetivo da exposição científica. Caso contrário, restringe-se indevidamente a explicação do alcance do poder normativo da competência tributária, e o conceito insuficiente não demonstra a realidade do sistema jurídico.


Alguns autores que utilizam definições breves e restritas de competência tributária atestam corretamente em outros trechos de suas obras que há um amplo potencial normativo dentro da competência tributária.


Nesse sentido escreve Roque Antonio Carrazza afirmando que as normas de competência também autorizam os Poderes Legislativos dos entes políticos, por meio de leis (em sentido amplo) a estabelecer, além dos tributos, também “o modo de lançá-los e arrecadá-los” [6]; que a competência para instituir tributos também compreende a competência para exonerar, instituindo isenções, remissões, parcelamentos, etc. [7]; e que a competência para instituir tributos também alberga a competência para instituir obrigações acessórias e a definição de infrações e sanções [8].

As definições conceituais restritas sobre “competência tributária” são mais comuns por influência do próprio texto da Constituição Federal brasileira, que ao atribuir as competências e distribuí-las entre os entes federados usa expressões como “cabe” ou “compete” a determinado ente político-territorial “instituir” um determinado tributo, o que põe em destaque na competência apenas o caráter de autorização para instituição da norma de incidência tributária. Por exemplos: “Art. 149. Compete [...] à União instituir contribuições...”; “Art. 153. Compete à União instituir impostos...”; “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos...”.


Assim ficam subentendidas no texto constitucional as outras potencialidades normativas da competência tributária, ou seja, aquelas para além da instituição do tributo (entendida aqui como a previsão legal da hipótese de incidência, do sujeito ativo e passivo, da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério quantitativo da obrigação tributária).


Portanto, no texto constitucional, as outras potencialidades normativas da competência, ou seja, as aptidões dos titulares de competência para instituir as demais normas tributárias (exonerações, obrigações acessórias, sanções administrativas, normas procedimentais, processuais administrativas, etc.) estão subentendidas no núcleo das normas expressas de competência tributária juntamente com o poder de instituir a norma de incidência tributária.


Em resumo do acima exposto: na linguagem constitucional, ter competência para instituir um tributo implica ter competência para instituir a norma de incidência do tributo e todas as demais normas necessárias e suficientes para fazer funcionar a dinâmica da tributação.


Não somente as leis (em sentido amplo) estão abrangidas na competência tributária: também estão incluídos potencialmente os atos administrativos, pois a entidade político-territorial competente pode editar a lei e também editar os atos administrativos concretizando os comandos legais abstratos. Note-se que isso não confunde competência legislativa tributária com a capacidade tributária ativa (capacidade para alguém ser sujeito ativo para a cobrança).


Conclui-se aqui que a competência legislativa é apenas uma das dimensões da competência tributária em sentido amplo, com todo o seu potencial normativo.



4. A competência tributária na Constituição e no Código Tributário


Em se tratando aqui de uma investigação conceitual sobre competência tributária, cumpre observar que não existe uma definição constitucional expressa do que se entende por competência tributária. A definição é implícita, pressuposta pela Constituição.


Portanto, o significado de “competência tributária” na Constituição se entende inserido no “direito pressuposto”, ou seja, aquilo que é preciso saber previamente à leitura do texto normativo.


O direito pressuposto é uma informação da realidade jurídica que não está contida no texto e é considerada pelo legislador como já conhecida. Assim o intérprete deve ter um conhecimento prévio, necessário para a interpretação e compreensão da mensagem normativa.


O texto constitucional e também os textos legais ditam normas cujo conteúdo só pode ser adequadamente compreendido se tomado o contexto jurídico, ou seja, há um jogo constante entre texto e contexto. Boa parte da significação das normas só pode ser compreendida se for considerado o direito pressuposto (o sistema jurídico).


Por isso, para ser um competente intérprete do direito não basta a simples leitura do texto legal: o uso eficaz dos diversos métodos interpretativos também exige o conhecimento do direito pressuposto pelas normas, ou seja, aquilo que os legisladores sabiam ao escrever os textos legais.


Assim como a Constituição Federal não definiu um conceito de “competência tributária”, o Código Tributário Nacional (CTN) também não o fez. No Livro Primeiro do CTN (intitulado “Sistema Tributário Nacional”), o seu Título II inicia com o subtítulo “Competência Tributária”, onde algumas noções sobre competência são explicitadas em normas gerais, nos arts. 6º, 7º e 8º, mas apenas em sua dimensão legislativa (competência para fazer leis), como se observa abaixo:


“Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.
Parágrafo único. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencerá à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos.
Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição [Constituição de 1946, com a redação dada pela Emenda nº 18/1965].
§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.
§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.
Art. 8º O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” (explicitação entre colchetes).

Mesmo que o CTN use a expressão “competência tributária” como sinônimo de “competência legislativa tributária”, o Código admite que “competência” é expressão genérica e pode ser usada também para se referir aos atributos daquele sujeito que tem condições e prerrogativas para exigir o cumprimento da obrigação tributária: o sujeito ativo.


O sujeito ativo competente para exigir o tributo é definido no art. 119 do CTN: “é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Aqui está a competência para cobrar a obrigação tributária.


De qualquer forma, é importante ter em mente que em matéria de competência legislativa tributária o CTN apenas deixou explícito aquilo que já se extrai da própria Constituição como cerne da competência legislativa tributária. O CTN, nos arts. 6º ao 8º, não institui competências tributárias, apenas explica algumas características da competência legislativa tributária que estão implícitas no texto da Constituição Federal.



5. Atribuição de competência e delimitação de competência


Outro aspecto importante da competência tributária está na diferenciação entre as normas de atribuição e as normas de delimitação de competência tributária.


A atribuição de competência é uma norma exclusivamente constitucional, com um conteúdo mínimo, necessário e suficiente para autorizar um ente político-territorial a instituir a estrutura básica para a incidência de um tributo, e aponta o instrumento normativo adequado (v.g. lei ordinária).


Já a delimitação de competência é um novo recorte da competência, reduzindo-a com novos limitadores, e que pode ser prevista na Constituição (ex.: princípios) e em leis complementares previstas pela Constituição com essa função de delimitação infraconstitucional do poder de tributar.


Porém, esse é tema próprio para desenvolver em outro artigo, por isso não vamos avançar.



6. Conclusões


Como visto aqui o mais adequado conceito científico de competência tributária é aquele que permite ao intérprete-estudioso conhecer todas as potencialidades normativas que as normas de competência oferecem, e que vão muito além de apenas regrar e limitar a instituição de tributos.


Não existem conceitos de competência na Constituição Federal nem no Código Tributário Nacional, apenas as regras sobre competência. O legislador pressupõe o conhecimento prévio por parte dos destinatários das normas de competência, cabendo à doutrina construir definições.


Os poderes incluídos nas normas de competência tributária são todos os necessários e suficientes para a instituição e operacionalização das normas da atividade tributária, permitindo que a criação e arrecadação de tributos se desenvolva de modo eficiente, regrado e justo.



Notas de fim


[1) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 152-153.


[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 491. Embora use esse conceito limitado de “permissão para criar tributo” (p. 494), o mesmo autor também esclarece em outros trechos de sua obra que a competência vai para além disso.


[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 30.


[4] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 99.


[5] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 501.


[6] Op. cit., p. 490.


[7] Op. cit., p. 493.


[8] Op. cit., p. 501 e 502.



Como citar este texto do Blog (ABNT NBR 6023:2018):

PETRY, Rodrigo Caramori. O que é competência tributária? In Blog Jurídico do Prof. Rodrigo Caramori Petry. Curitiba, 09/06/2023. Disponível em: https://rodrigopetry.com.br. Acesso em: [inserir a data].


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